Prefácio:
Escrever sobre música ou sobre qualquer outro assunto não é uma tarefa fácil. Descrever algo que aconteceu às vezes se torna perigoso, pelo fato de que devemos ser justos com aquilo que iremos relatar, não alterando o que, de fato, ocorreu e tentando dar nossos pontos de vista sobre fatos que aconteceram sem que criemos uma única opinião. Isso tudo visando que o leitor, acima de tudo, tenha sua própria visão. Então deixo a vocês, leitores, total abertura para que possam criticar/corrigir/comentar, sintam-se livres...
Espero que se divirtam com o que irão ler e que possamos trocar idéias sobre assuntos diversos.
Uma breve viagem antes da estrada principal
Ao pensar sobre qual primeiro assunto musical escrever, ocorreu-me diversos temas. Pensei em escrever sobre a música cronologicamente, pensei em escrever sobre os diversos estilos existentes reunidos em blocos e, por fim, nenhum deles tinha uma força que me impulsionasse. Então pensei que, para este primeiro momento, deveria escrever sobre um marco importante, sobre algo inovador e ao mesmo tempo influente. O que me veio à cabeça foi o ano de 1967: para muitos, o ano em que a música finalmente foi elevada à categoria de arte; e para outros tantos ou para maioria, o ano da psicodelia.
Mas antes de entrarmos certeiramente nesse ano, façamos uma retrospectiva ao que aconteceu anteriormente, para que possamos entender o célebre 67.
Beat Generation, da esquerda para a direita William Burroughs, Allen Ginsberg, Jack Kerouac.
Todo o panorama contracultural da época em questão era influenciado pelos escritores beatniks da década de 50 e 60, que tinham como elementos centrais a experimentação com drogas, alternativas formas de sexualidade, um interesse pela cultura oriental e a rejeição do materialismo. Tendo Jack Kerouac, William S. Burroughs e Allen Ginsberg como a santíssima trindade do movimento. Influenciados também pelos promovedores da expansão da consciência, nos quais estavam incluídos Timothy Leary e Aldous Huxley – com este último descrevendo suas experiências com a mescalina no livro The Doors of Perception (1954).
Dez anos depois, o psicólogo/professor de Harvard, Tim Leary, descrevia os beneficios do uso do LSD (Lysergsäurediethylamid, palavra alemã para a dietilamida do ácido lisérgico) em seu livro The Psychedelic Experience: A Manual Based on the Tibetan Book of the Dead (1964), sendo este expulso de Harvard por fazer uma experimentação da droga com uma turma de alunos.
Se no final da década de 60 essa droga já era proibida, um pouco antes disso ela era totalmente liberada, tendo inclusive pesquisas patrocinada pela CIA nas universidades do país.
Esquerda para a direita, Timothy Leary e Aldous Huxley
"... a música é afetada pelas substâncias das quais você abusa." - (Dennis Thompson - ex-MC5)
Na música, a experimentação não poderia ser diferente. Se antes os Beatles faziam um som mais “bobinho”, presente na fase iê-iê-iê, depois de eles serem apresentados por Bob Dylan à famosa Cannabis Sativa, em 1964, ficaram ainda mais experimentais. As letras apresentavam-se mais sofisticadas e com conteúdo melhor trabalhado, e, como não podia ser diferente, dentro do estúdio os rapazes começaram a inovar, o que se pode observar já no belíssimo álbum Rubber Soul (1965), no qual se pode notar o uso da cítara (graças a George Harrison), entre outros efeitos sonoros, também sendo influenciados por artistas contemporâneos de folk rock como os Byrds e Bob Dylan, que respectivamente lançariam Fifth Dimension e Blonde on Blonde em ’66.
Não que toda essa evolução fosse graças somente à maconha, também evoluíam como compositores e músicos, graças às turnês promovidas e ao tempo passado no estúdio. Lembrando que em ’65, George e John teriam tido uma primeira experiência com o LSD, o que eles abordariam sem papas na língua no álbum seguinte, apesar de já terem dado a dica com Day Tripper, single lançando no mesmo ano de Rubber Soul.
E como era de se esperar, os Rolling Stones também sacariam todo esse barato experimental e viajante. Não se pode negar que os Beatles e os Stones eram bandas que se inspiravam uma na outra. Logo no começo de 1966, lançavam Aftermath, disco este que mostra os Stones mais centrados em composições da dupla Richards/Jagger, e com o genial Brian Jones experimentando uma variedade de instrumentos não convencionais para o Rock, o que lhe dava uma base pra lá de rica para o que ele iria aprontar mais pra frente. Legal também é sacar a letra de Mother's little helper, o qual os Stones alfinetavam a hipocrisia do discurso antidrogas, feito por uma sociedade que abusava de tranqüilizantes para enfrentar uma vida "sem sentido" e estressante; para agüentar as crianças de hoje, nada como o ajudante da mamãe.
O ano de 1966 (o grito primal do que viria a ser ’67) começava cheio de experimentações com os californianos dos Beach Boys lançando Pet Sounds, sendo um flerte da ainda não titulada psicodelia com a música pop, com Brian Wilson tendo sido influenciado pela sua experimentação com o ácido e pelo já citado Rubber Soul. Bandas como The Doors, Cream também foram de extrema importância para o desenvolvimento do gênero, vide canções como I Feel Free (Cream), Eight Miles High (Byrds), Good vibrations (Beach Boys) e Rainy Day Women #12 & 35 com Dylan cantando aos quatros cantos do mundo que “Everybody must get stoned!” (Todo mundo deve ficar chapado), música esta que foi banida de muitas rádios americanas e da BBC devido à paranóia antidrogas reinante na época. Se Dylan, nesta época, já havia eletrificado seu som e não se considerava mais um cantor folk, Donovan um cantor folk britanico apresentava uma junção da musica psicodélica com a música folk, junção esta que recebe o nome de Acid Folk, em seu disco Sunshine Superman.
Neste mesmo ano foram lançados dois discos importantes para o desenvolvimento do movimento psicodélico e do que viria ser a efervescência de 1967.
"Estamos todos interessados em muitas coisas que antes não nos haviam chamado a atenção. Eu tenho milhões de idéias novas". Paul McCartney
Exatamente no dia 5 de Agosto de 1966 saía, pela Parlophone, o sétimo álbum da banda britânica Beatles, intitulado Revolver. Com uma arte pra lá de bem feita pelo artista e baixista Klaus Voorman, e com um conteúdo ainda mais interessante, recheado por guitarras bem trabalhadas, cítaras e efeitos. Tal disco apresentava três composições de um tímido, porém talentoso, Harrison, com este mostrando toda sua evolução no estudo da cítara, além de ter ido à Índia em encontro a Ravi Shankar e à toda cultura espiritual oriental.
1. Taxman (Harrison)
2. Eleanor Rigby (Lennon/McCartney)
3. I’m only Sleeping (Lennon/McCartney)
4. Love you too (Harrison)
5. Here, There and Everywhere (Lennon/McCartney)
6. Yellow Submarine (Lennon/McCartney)
7. She Said She Said (Lennon/McCartney)
8. Good Day Sunshine (Lennon/McCartney)
9. And your bird can sing (Lennon/McCartney)
10. For no one (Lennon/McCartney)
11. Doctor Robert (Lennon/McCartney)
12. I want to tell you (Harrison)
13. Got to get you into my life (Lennon/McCartney)
14. Tomorrow never knows (Lennon/McCartney)
Os destaques do disco ficam por conta de Taxman, dilacerando uma guitarra marcando o tempo e uma linha de baixo muito bem trabalhada; da balada Eleanor Rigby, com os arranjos de corda do mestre George Martin; e de I’m only sleeping, na qual Lennon, como uma voz meio viajante, dita um quase hino à preguiça. Nesta faixa também apresenta uma das grandes sacadas nos efeitos de estúdio, com guitarras tocadas de trás para frente.
O disco passa por grandes momentos, como Love you too, com Harrison mostrando toda sua técnica na cítara e sendo acompanhado pela tabla, instrumentos indianos; passando pela clássica Yellow submarine, eternizada na voz de Ringo Starr; She Said She Said saiu quando os Beatles estavam na companhia do ator Peter Fonda e todos, com exceção de Paul, estavam em uma viagem de LSD e um comentário de Fonda inspirou John a escrever a música.
Por fim, a faixa Tomorrow Never Knows (trocadilho de Ringo que Lennon resolveu usar para tirar um pouco do tema pesado e filosófico da canção, que é totalmente influenciada pelos ensinamentos de Tim Leary presentes em seu já citado livro “Experiência Psicodélica”) é uma das canções mais inovadoras e psicodélicas dos quatro rapazes; chega a ser quase hipnótica a voz de Lennon passando por uma caixa Leslie (da qual falaremos mais adiante) para que esta tivesse o efeito de um monge recitando mantras no alto de um monte, pelo menos essa era a intenção de John – e, convenhamos, belíssima intenção.
Produtor: George Martin
Engenheiro de Som: Geoff Emerick
Paul McCartney - Baixo, guitarra, efeitos sonoros, vocais
John Lennon - Guitarra, órgão, marimba, efeitos sonoros, pandeiros, vocais
George Harrison - Guitarra, baixo, sitar, efeitos sonoros, pandeiros, vocais
Ringo Starr - Bateria, pandeiros, vocais
Lembrando que a intenção aqui não é fazer apologia a nenhuma droga, usá-las é uma decisão sua e não de outros.
Na próxima parte dessa postagem falaremos do segundo disco importante para 1966 e, finalmente, entraremos no universo lisérgico de 1967.
Pra você que se amarra em vinil, CDs e camisetas de diversas bandas, inclusive das que você leu aqui, entre em contato com a loja do meu querido amigo Eduardo e se deleite no universo musical deste. Grande abraço a todos.
Vitor