segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

“Que mundo! Poderia ser maravilhoso se não fossem as pessoas.”


A ERA DO RÁDIO

Desde que começamos o blog, minha ideia inicial era comentar sobre algum filme do Woody Allen, mas, meu Deus, ele é um dos meus diretores preferidos, foi quase impossível decidir um dentre os (se eu não me engano) 41 filmes que ele dirigiu. Pensei em “O Dorminhoco”, mas eu já havia feito uma crítica sobre ele e ficou um lixo; não entrei num clima sério o suficiente para escrever sobre “Setembro”,  “Interiores” ou “Match Point”; Achei que “A Rosa Púrpura do Cairo” iria ser como se eu estivesse escrevendo sobre a minha própria fantasia (pela personagem da Mia Farrow) e também o ignorei; O Ivan deu a ideia de usar o vencedor de quatro óscares, “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, mas eu não conseguia começar nunca! Já estava desistindo de escrever sobre algum do Woody, quando, numa dessas noites tediosas de férias, assisti “A Era do Rádio”. E confesso que estou bem à vontade para comentar este filme, que é, sem dúvidas, um banquete para quem gosta desse velhinho viciado em trabalho!
Sei que existe um vício em achar que a maioria dos filmes do Woody Allen é ele-sobre-ele: homem de meia idade, morando na cidade de Nova Iorque, com relacionamentos conturbados, sendo um escritor/professor/psicólogo, hipocondríaco e cheio de neuroses. Acho mais fácil ver a mim ou a algumas pessoas do meu convívio num destes filmes estereotipados que ao próprio diretor. Agora, se alguém comentar comigo que achou “A Era do Rádio” uma reescrita da infância dele, eu definitivamente não vou poder contestar.
O que quero dizer é que quase me sinto íntima do tema, ouvi histórias sobre a tal era do rádio muitas e muitas vezes. Cresci com a minha avó contando sobre as novelas que ela ouvia todos os dias no rádio, sob a luz de lamparinas a querosene, com todos os filhos em volta enquanto ela tricotava alguma roupa nova; ou sobre os jogos de futebol que meu avô (e até mesmo meu pai) prestava atenção, desesperado, com o radinho a pilha grudado no ouvido. A comunicação de massa ocorria por meio do rádio naquela época, desde as notícias, os programas de auditório e as músicas, até o futebol do meu avô e as novelas da minha avó. Em “A Era do Rádio”, tudo é retratado de forma tão meticulosa que a gente sente que poderia passar mais umas boas horas na frente da TV sem se cansar, viajando mais um pouco pela magia e simplicidade dos anos que nossos avós viveram. Senti falta apenas do preto e branco para atiçar ainda mais a imaginação.
O filme retrata a vida de uma família norte-americana na década de 40, na qual vários parentes moram juntos na mesma casa, como ocorreu com Woody Allen em sua infância. O próprio diretor narra toda a história sem aparecer em momento algum. Digo que o filme é uma reescrita de sua infância por aspectos substanciais do enredo. Obviamente, muitas das histórias contadas são fictícias, como a da professora substituta que levou a imaginação dos garotos ao alto (apesar de ser real quanto ao inevitável “dia de folga” que acabava por acontecer quando surgia um substituto para uma matéria), a da saída com a tia e o namorado dela ou a do submarino alemão. Nas palavras do diretor: “Eu me apoiei em coisas da minha vida, mas é por isso que eu digo que não é autobiográfico. É muito mais exagerado, para melhorar a história.”.
Acho válido, também, deixar minha dica quanto a determinados episódios retratados: é muitíssimo interessante prestar atenção na cena em que o garoto Joe toma um táxi e, só então, descobre a profissão de seu pai, pois foi, também, mais um fato da infância de Woody Allen. Explica: “Esse episódio não é cem por cento verdade, mas quase. Cada vez que eu perguntava aos meus pais o que ele fazia, eles me davam uma resposta diferente, pois ele estava sempre mudando de emprego. Então eles sempre diziam: ‘Seu pai é um grande manda-chuva’, ‘O seu pai trabalha na cidade’, ‘Ele faz negócios’. Jamais consegui uma resposta direta.” – a diferença do que foi retratado no filme é que no dia em que tudo realmente aconteceu, Woody voltava do cinema.
Além desta cena, é impossível (e eu nem precisaria pedir atenção a esta parte) não se emocionar com a real história do resgate de uma garotinha que havia ficado presa no fundo de um poço. Tão tocante quanto todos os relatos sobre o ataque à base naval de Pearl Harbor pela MIJ, também acontecida naquela época (final de 41, sendo mais exata). Lembro que enquanto eu assistia, fiquei abismada com a forma como o diretor consegue fazer o espectador rir o tempo todo e, de uma hora para a outra e sem ao menos mudar o cenário, se emocionar.
Falei compulsivamente até agora, mas não comentei a parte que mais me encantou: falemos então da trilha sonora. E foi exatamente isso: me encantou, de fazer com que eu ficasse algumas horas ouvindo jazz e os grandes da Jovem Guarda. Em todos os seus filmes é presente a forte ligação de Woody Allen com a música clássica e o jazz. Suas trilhas sonoras são tiradas de seu acervo pessoal. Mas, de certa forma, eu só fiquei realmente tocada com isso após assistir “A Era do Rádio”. Falo especificamente da história da garota-dos-cigarros, Sally White (interpretada por Mia Farrow – na época, comprometida com o diretor), que tenta a todo custo trabalhar em um programa de rádio. Foram as censa que mais fizeram com que eu usasse minha imaginação desesperadoramente, em busca de um pouquinho do que aconteceu (de forma diferente, é claro) com a minha mãe na época em que ela cantava na rádio. São histórias que ela me conta sempre, nostálgica que só, iniciando com a frase “quando eu cantava na rádio...” e levando minha imaginação lá para a época dela, tentando imaginar uma Maringá em crescimento recebendo por ondas o seu vozeirão.
Com certeza por questões totalmente pessoais e familiares, coloquei “A Era do Rádio” na minha lista de filmes preferidos do Woody Allen. Talvez não encante a todos como aconteceu comigo, mas achei incrível de verdade a forma como minha imaginação foi longe enquanto a história acontecia. Sempre me identifico com algo ou alguém em seus filmes, creio que este foi o primeiro em que consegui ver a história no geral, sem prestar mais atenção em determinado personagem por me identificar com ele (apesar de, como contei, ter enxergado muito da minha família em tudo). E, por fim, achei engraçado o fato de eu sentir falta de algo que eu não vivi, após ver o filme. Sinto falta desses programas humorísticos, de auditório, de perguntas e respostas numa frequência. O que quero dizer é que toda vez que ligo o rádio – na maioria das vezes por falta de CD no carro –, o que escuto é tragédia ou essas músicas (ruins) que os adolescentes andam ouvindo.
Acredito que acabei deixando esta crítica totalmente pessoal, porém, acho muito difícil que alguém veja “A Era do Rádio” e não lembre das histórias que os antigos têm mania de contar repetidas vezes, em qualquer família, em qualquer lugar. O filme acaba sendo pessoal não só para mim (ou para o próprio Woody Allen, como uma parte da sua infância), mas de uma forma geral a todos da minha geração ou de anteriores – que escutam sobre os famosos Anos Dourados – e das que passaram por toda essa maravilha de se deixar guiar pela imaginação a partir de uma voz e da falta de imagens de um rádio.




Ana

1 comentários:

Rafael G. disse...

Muito bom, meu preferido do mestre Allen! Muito boa a crítica, vale a pena assistir!

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